Segundo aponta relatório do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), foram identificadas movimentações atípicas nas conta de Fabrício Queiroz (no montante aproximado de 7 milhões de reais) e Flávio Bolsonaro (aproximadamente um milhão de reais) que, ao que tudo indica, são fruto de repasse parcial do salário de assessoria parlamentar retornando ao empregador.
A coisa funciona assim: o deputado contrata um assessor por 10 mil reais ao mês, pago com recurso público (ou seja, oriundo de nossos impostos) e, no momento da contratação, fica acordado que, desses 10 mil mensais, 5 retornam ao deputado, frequentemente sob a justificativa de constituir um “caixa para campanhas futuras”, ou algo do gênero. Multiplicando isso por 30 assessores, dá pra conseguir uns 2 ou 3 milhões por ano. Custo real aproximado de uma campanha para deputado estadual no Rio ou em SP.
Legal? Não. Incomum? Também não. Infelizmente, a grande realidade é que a imensa maioria dos parlamentares brasileiros realizam prática semelhante, como a própria investigação na ALERJ aponta, com representantes de quase todos os partidos envolvidos.
Mas a grande repercussão do caso de Flavio/Queiroz se deve a dois principais fatores: primeiro porque a família Bolsonaro realizou uma campanha centrada na moralidade e na lisura com a máquina pública, gerando expectativas sinceras de que os mesmos não se envolvessem nos esquemas que criticam; depois porque essa mesma família iniciou uma profunda disputa com setores influentes da mídia, em especial com a Rede Globo, de quem promete quebrar a hegemonia fortalecendo outras emissoras (como a Record, do bispo Edir Macedo) e trazendo ao Brasil novos canais como a CNN.
É claro que as trapalhadas da família Bolsonaro contribuíram muito, como pedir a anulação da investigação ao STF; veicular uma entrevista esdrúxula de Queiroz; o vazamento da ‘dancinha’ no hospital; faltar às audiências no Ministério Público; entre outros
Mas não sejamos ingênuos, tudo isso acontece há muito tempo. Tempo demais. E em outras condições, o caso sequer viria à tona, como milhares de casos análogos que seguem ocorrendo Brasil afora.
O fato de Flávio receber os recursos em sua conta PESSOAL, e de Queiroz realizar transações tão escandalosas (como sacar 200 mil reais em um só dia, por exemplo) só demonstram a “normalidade” de tal prática e a tranquilidade de seus praticantes. O que os tranquiliza é uma coisa chamada “impunidade”.
A grande questão em jogo é a seguinte: se quisermos mudar verdadeiramente esse cenário, precisamos de transformações estruturais na organização do Estado e dos 3 poderes, com punição exemplar dos responsáveis por tais atos, restituição dos recursos, cassação dos mandatos, inelegibilidade e prisão. Com uma reforma política que impeça o poder econômico de exercer tamanha influência sobre o resultado eleitoral. Cortando pela raiz os vergonhosos privilégios parlamentares, com seus gordos salários e imensas verbas para gabinete e assessoria. E promovendo uma profunda reforma do poder judiciário em nosso país, extremamente seletivo, inoperante, conivente, parcial e elitista, que colabora com esse cenário horripilante.
Enquanto tais práticas forem generalizadas pela ‘classe política’ brasileira, com raras exceções, outros Flávios continuarão surgindo. E a verdadeira luta não é contra ele. Sejamos francos: o problema do Brasil não é a família Bolsonaro, ela é apenas um dos sintomas, corrupta como a maioria, como sempre dissemos, apesar da possibilidade de crimes muito mais graves que os citados estarem vindo à tona, como aponta Nassif.
O nosso real desafio é o sistema político brasileiro, que precisa vir abaixo. E isso jamais vai acontecer pelas mãos dos que hoje estão no poder.
Ou o povo brasileiro se organiza e radicaliza suas ações para exigir e impor uma transformação profunda e verdadeira, de baixo pra cima, ou ficaremos assistindo ano após ano, salvador após salvador, prometer mudanças que será incapaz de cumprir.
Em toda crise há uma grande oportunidade. O desfecho desta história depende de nós.
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ps: não à toa o juiz Sérgio Moro já atacou o COAF e o colocou sob seu controle, para impedir que o órgão siga desestabilizando o atual governo com seus relatórios. Moro é um dos maiores calhordas do cenário político brasileiro atual. Meu próximo vídeo será para ele.
ps2: o que deve ficar claro é que a família Bolsonaro sempre foi e sempre será mais do mesmo. Apenas mais um grupo de oportunistas, corruptos e vendidos à elite econômica, que soube cair nas graças do povo e dialogar com o sentimento legítimo de insatisfação.
ps3: o que precisa ficar mais claro ainda é que não estou relativizando os crimes de Flávio, pelo contrário. Acho que sua punição deve ser rápida e exemplar e é um afronte que ‘logo ele’ pratique tais ilegalidades. Inclusive porque além da questão dos repasses, em matéria recente, Nassif aponta que existem crimes muito mais graves a serem averiguados. Vale a leitura.